O 31.º Congresso Nacional de Medicina Interna voltou a trazer à discussão os novos determinantes do risco cardiovascular. Uma das sessões mais marcantes da mesa-redonda “Risco Vascular no Século XXI – novos fatores” focou-se na pobreza e na desnutrição como elementos críticos, muitas vezes negligenciados, na génese e progressão da doença cardiovascular.
Francisco Nóvoa abordou a importância da obesidade abdominal e do tecido adiposo como novos fatores de risco vascular, enquanto Gustavo Jesus destacou a relação entre depressão e risco aterosclerótico. Por sua vez, Anabela Raimundo focou-se na pobreza e na desnutrição como elementos centrais, frequentemente esquecidos na abordagem ao risco cardiovascular.
“Desde a segunda metade do século XIX que a miséria e o nível socioeconómico foram identificados como determinantes na evolução das epidemias”, referiu Anabela Raimundo. No entanto, só com a publicação do estudo Whitechapel, em 1978, é que se estabeleceu de forma inequívoca a ligação entre pobreza e doença cardiovascular, que desde então tem vindo a ganhar protagonismo. “A criação da Comissão sobre os Determinantes Sociais de Saúde pela OMS, em 2005, marcou um ponto de viragem, colocando o tema definitivamente na agenda da saúde pública global,” destacou a oradora.
Durante a intervenção, foi sublinhado como a pobreza impacta diretamente vários eixos do risco cardiovascular. “A pobreza impede o acesso a uma alimentação saudável, promovendo dietas baseadas em alimentos ultraprocessados, de baixo custo e fácil confeção, mas com consequências graves na saúde”, explicou. Esta realidade contribui para a obesidade, hipertensão, dislipidemias e Diabetes tipo 2 — os principais fatores de risco da doença cardiovascular.
Além disso, a iliteracia em saúde e o acesso limitado a cuidados médicos agravam o quadro. “Infelizmente, no século XXI, Portugal ainda apresenta uma percentagem significativa de pessoas a viver na pobreza. Este é um assunto que tem de estar na agenda política se queremos continuar a melhorar os nossos indicadores de saúde”, advertiu.
Foi também feito um alerta para o impacto já visível desta realidade: “Nas últimas guidelines europeias, Portugal passou de um país de risco cardiovascular baixo para moderado. Apesar de as causas serem variadas, a mudança de hábitos alimentares e a pobreza foram seguramente fatores centrais neste agravamento”.
A oradora defendeu medidas articuladas entre vários setores. “É fundamental que este tema envolva não só o Ministério da Saúde, mas também o da Educação, Segurança Social e Economia. Só assim conseguiremos melhorar o acesso à saúde das populações mais vulneráveis”.
A encerrar, a sessão foi também um apelo à transformação dentro da própria Medicina Interna. “O Congresso é o momento em que todos nos reunimos — do norte ao sul, dos mais jovens aos mais experientes — para refletirmos em conjunto. Temos de nos tornar os líderes de que os hospitais portugueses precisam. Só assim o sistema será mais justo, seguro e eficiente”, rematou.
(22/05/2025)